terça-feira, 31 de agosto de 2010

Saboreando veraneios

Dedico o ultimo dia de Agosto a um breve texto que li recentemente do Miguel Sousa Tavares sobre o Verão....que tanto saboreio ao minuto.


" Há vários indícios seguros da chegada do Verão. Espero-os sempre, atento e ansioso, porque preciso do Verão, desesperadamente. O primeiro indícios são as meloas do Algarve e o seu sabor único, irreproduzivel. Depois, são algumas manhãs de Lisboa, com uma espuma marítima suspensa sobre a claridade do dia, e , á noite, os sons da cidade que passam de bairro em bairro, a vizinha que chama o filho, o cão que ladra, o táxi na esquina, uma música que vem de lugar oculto. Em Junho as mulheres começam-se a despir por partes e os pássaros vêm morrer de encontro ao pára-brisas do carro na estrada, porque eu vou mais depressa do que o seu voo pesado. No campo, instala-se um ruído de fundo que é o das cigarras gritando de calor, e, ao fim do dia, oiço as árvores estalar de alívio.
Na primeira noite de verão, estendo uma rede nordestina no terraço e deito-me para dormir lá fora, deixando uma vela a arder dentro de uma lanterna marroquina, porque atrai os mosquitos para a luz e porque o terraço parece ficar um lugar encantado. E vou adormecendo aos poucos na rede, como um cão adormece, com um olho aberto e outro fechado, nesse prazer prolongado de habitar entre duas fronteiras, a do sono e a da vida.

(....) Espremi um sumo de limão para um copo cheio de gelo, espreguicei-me até sentir que os membros voltavam todos á posição normal e caminhei até ao ribeiro que, nesta altura do ano, tinha só dois palmos de água, mas transparente, no seu leito de pedras, areia e plantas aquáticas. Descalço, mas vestido tal como tinha adormecido e acordado, deixei-me cair lá dentro, com a cara contra as pedras e os olhos bem abertos, como se assim me pudesse transformar em peixe. Virei-me ainda de costas e fiquei a sentir a água a correr entre os cabelos, recebendo na cara o primeiro sol da manhã como a faca que passa a manteiga no pão.
 Por mais que tente explicar-te tantas e tantas e tantas vezes, nunca te direi vezes que cheguem como é bom estar vivo . "

E é bom saber que existem homens que sentem assim...ou pelo menos que escrevem sobre sentimentos, simplesmente, assim.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Pirosas por opção

As primeiras páginas da revista Visão na sua edição especial sobre a república são dedicadas a alguns  hábitos de lazer nacional no inicio do séc.XX e para minha delicia,algumas fotos a preto e branco de eventos politico-sociais dos quais só sabemos por esta via.

Achei por bem reescrever este pequeno texto para relembrar que as ditas, pretensiosas "tias", que nem de Cascais são, originalmente, têm esta herança topológica que lhes agrava mais esse estatuto que ridiculamente querem manter ; e como de vez em quando tenho que me cruzar com algumas... agora já posso esboçar um sorriso para desvanecer a carga negativa que me emitem á sua passagem e já posso convictamente pensar que são mesmo pirosas.

"A zona de Cascais, eleita pelos Braganças como um dos poisos de veraneio - iam para lá em Setembro e Outubro, depois de uma estada no Palácio da Pena - , tornara-se um sítio "bem" desde que a rainha D.Maria Pia, mãe de D.Carlos, possuíra o seu chalet no Monte Estoril. A Cidadela, ainda uma das residências oficiais dos Chefes do Estado (em meados do século XX Óscar Carmona e Américo Tomás passariam ali muito tempo) era o ponto de partida de D.Carlos e da corte para viagens no iate Amélia, excursões pela praia com os respectivos banhos de multidão, garden-parties e torneios de tiro aos pombos.
Os burgueses endinheirados, eternamente simbolizados pela família Pires (daí o adjectivo "pirosos") gostavam de se aproximar das testas coroadas e de contar depois na Baixa as frases que tinham ouvido da boca do Rei. Assim nasceu a maneira afectada de falar dos "tios" e das "tias". "

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Contemplando com tempo no templo

Aproveito o tempo livre que tenho nos santuários que fazem parte do programa para fazer o meu retiro espiritual , não sem deixar de praticar um voyeurismo que me remete para a certeza de querer continuar a conservar o meu gnosticismo.

Os templos são espaços criados por gente sábia, sensível ao físico e ao espiritual e como consequência as obras resultantes destes estudos megalómanos como catedrais, Basílicas e Mesquitas, impuseram-se por todo mundo pela necessidade imperialista de controle de poder,de manipulação e de segregação social- por contraste aos templos de origem oriental onde se criaram templos para fortalecer o individuo como ser espiritual.

A história de Fátima, assim como a de outros santuários no mundo onde se recorra á penalização do corpo para elevação do espírito ou factura pro-forma de graças concedidas por Deus, são - na minha convicção - espaços que valem pela sua conceptualização de volumetria, geometria e projecção espacial, a mesma que na Renascença levou artistas Florentinos a ousarem a projecção dessa espiritualidade necessária ao alimento da alma.

Ora, aqui nesta nova Basílica de Fátima , onde o minimalismo decorativo e arquitectural nos remete para o abandono material e nos faz sentir á escala humana, o Cristo no altar-mor é por excepção a única presença que me leva a crer que existe alguma seriedade, afinal, nestas habitações de Deus.
Aqui, Cristo é fisicamente representado como autóctone do Médio -Oriente; as suas barbas aparadas esteticamente como na família de David dão-lhe a graça judia; e o seu tronco magro e frágil em relação aos membros inferiores fazem jus ás cenas contadas nesse romance bíblico onde Jesus passa todo tempo a calcorrear grandes distâncias.
Enfim, sinto-me em paz nesta criação religiosa que me apraz no espaço que escolho para recolhimento, mais uma vez, na tentativa, não de encontrar Deus, mas de me encontrar na minha paz.
O meu templo temporariamente recolhido noutro templo;
A minha paz de pazes feitas com os meus sentidos anarquizados;
A minha vida revisitada numa síntese docemente ancorada pelo amor.

domingo, 15 de agosto de 2010

Interlúdio em crescente

É com alguma certeza de absoluto descanso que parto para St.André onde encontro não só em casa como naquela praia extensivamente deserta os meus momentos de abandono total.
Não existem horas, ou se existem , não se mostram em nenhum relógio.
As manhãs acordam-me sorrateiramente pelo jardim adentro e como não tenho aviões a passarem constantemente naquele céu tão limpo, julgo-me perdida.
O pequeno-almoço toma-se sem avisar, vai-se preparando-o e logo acordam os restantes membros da família que se juntam nestes despertares tão suaves.
Nunca se fazem planos, ouvem-se os desejos momentãneos do estar e acatam-se vontades de ser simplesmente um veraneante num dia quente com cheiro a estepe e a rosmaninho. O "lá longe" surge através do som do mar que se envolve na brisa para nos indicar o oeste. E caminhamos pelas dunas infindáveis quando o calor já aperta. Por entre pinheiros, armérias e cactos suculentos há sempre o indicio de um mar entre o verde e o azul. As conchas esperam ser apanhadas para adormecerem novos bebés em forma de play-mobile e as pequenas ondas deste mês tentam-nos na sua inesperada doçura.
Há tempo para tudo. 
Há tempo para olhar e reter a paisagem quando se fecham os olhos.
Há tempo para cheirar a maresia e armazená-la como memória de infância.
Há tempo para tocar na areia e sacudi-la da nossa pele já queimada.
Há tempo para amar em segredo sem corpo e sem espaço.
Há tempo para pensar que tudo o que se passa á volta é efémero e por isso tão precioso.
E por falar em tempo...fico a contar os dias para lá voltar para a semana.


 

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Chuva de estrelas

Ontem anunciavam uma noite de estrelas cadentes e normalmente teria saído para uma esplanada com uma amiga para as observar e deliciar-me com uma chuva de desejos emergentes....
Tinha acabado de estar alguns dias com duas estrelinhas que me perpetuam o bem estar desde há algum tempo e derrepente vi-me sem desejos para equacionar.

Telefonei a outra estrelinha e fomos ao cinema; e alheei-me da possibilidade de insistir no mesmo desejo latente que me assombra desde algum tempo . Estrela que nem é cadente nem ascendente...está latente no meu universo que se encontra em stand-by.

E entre os vareneantes de Agosto e um filme duro de ver retornei a casa com a sensação que os meus sentidos que recordam e identificam as estrelas que quero guardar no meu tecto celeste, hão-de estar manipulados pelo sabor da beleza, do cheiro e do toque que me almareiam os dias e as noites em prol de uma ilusão que criei com sabor a felicidade.

E é bom saber que se é feliz mesmo quando não se consegue colocar todas as estrelas que queremos, no tecto do quarto, antes de adormecer á sua luz velante das certezas de que só estamos a passar por elas.

sábado, 7 de agosto de 2010

Carmen Souza no museu do Oriente


Quando a Sofia me ligou a perguntar se queria ir a um concerto no dia seguinte no museu do Oriente prontifiquei-me a dizer-lhe que sim, pois não só sei que consegue sempre surpreender-me pela positiva com os concertos no museu como com os pós concertos, que desta vez incluiu o prazer de me dirigir á Carmen de Souza e seu marido, contra-baixista da banda, como ainda fomos falar sobre viagens para o nosso tão querido bar "Á margem" com as primas de Londres.
O Verão tem destas coisas boas: musica com voz quente e ritmos afro-jazz, bebidas frescas á beira-rio e conversas sem fim, vindas de todos os cantos do mundo e partilhadas por gentes de olhar brilhante.
A vida é bela....quando estamos abertos á novidade !

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Trilogia Americana - O mundo pós mercado financeiro

Escrever sobre a sequência de 3 trabalhos diferentes que tive com clientes que passaram por Portugal e que tão boas recordações me deixaram, é sempre um prazer.

 O primeiro cliente, Senior Managing Director and head of Blackstones's Co., reformou-se bem antes da idade prevista visto ter feito fortuna com H.Funds e daí decidido a conhecer o mundo para além das curtas passagens em serviço.

A sua passagem por Portugal tinha sido anteriormente reduzida a uma estadia curta pelo hotel Ritz em Lisboa e a latente curiosidade de conhecer o resto do país era aguçada pela história dos valentes navegadores, mas também pela perspectiva mercantilista deste povo da ponta extrema da Europa que iniciou o conceito de globalização que passou a ser não só uma realidade adquirida como um problema no horizonte futuro da economia mundial, ou seja, um tema que lhe é muito querido.

A sua companheira de há longa data já não era tão entusiasta nem informada quanto Howard, nesta aventura em terras lusas ; tanto tempo de casamento onde cada um viveu para a sua profissão rendeu-lhes uma inocuidade vivencial onde ,casal ,tornara-se uma mera figura de estilo. Não sei do que gostou e se gostou, mas o silêncio de quem não opina...não me deixa indiferente.

O percurso incluiu uma nuance temática ligada á comunidade judia em Portugal e visitamos o país de Évora ao Douro, conhecendo não só o património arquitectoral mais relevante, mas também a gastronomia e o bom vinho do Alentejo e do Douro. E ,Howard para meu contentamento é um "connaisseur" de história e da vida á mesa.

A gratificação desta profissão de guia viajante é realmente a troca de saberes e de sabores que se proporciona com clientes que tanto nos ensinam sobre as suas perspectivas enquanto viajantes.
Do seu balanço positivo fica, como sempre, a hospitalidade portuguesa e a qualidade dos hóteis e do património cultural.
E também o Chryseia 2007 que Howard guarda desde 2009 na sua cave.