sábado, 27 de julho de 2013

O tardio nascer do sol

José Talentino Mendonça foi-me dado a conhecer por uma amiga transmontana por quem tenho um grande carinho ; e desde aí que sigo por perto todas as crónicas deste homem tão sábio , delicado e próximo de Deus... do seu Deus.
 São pessoas diferentes como Talentino que me fazem acreditar que, o bem personificado existe, e pode ajudar a relembrar-mo-nos a finalidade da nossa passagem pela Terra, construir um mundo verdadeiro e em osmose com a natureza. Começando pela palavra.
 As suas histórias são sempre uma dádiva do ensinamento do que é ser nobre e a sua poesia é de uma sensibilidade da mais fina seda oriental quase transparecendo o sentido feminino pouco absorvido pelo homem.

 Hoje transcrevo a sua história que me faz recordar uma outra vida :
"Lembro-me de uma história que uma querida amiga me contou. O seu pai era juiz em Itália. Um homem severo e absorto, sem tempo a desperdiçar, sem grande vontade de levantar os olhos do seu importante mundo,ainda menos para escutar as minudências porque passavam os miúdos. Ela cresceu, formou-se e, durante os primeiros anos, chegou a trabalhar como secretária do pai. Essa proximidade em nada alterou o quadro que conhecia: continuavam dois estranhos, com uma relação puramente formal e um mundo submerso de coisas por dizer. Ela conta que um dia fizeram uma viagem de trabalho a uma das ilhas gregas. Foram de barco, e podemos imaginar os longos tempos de travessia.
De madrugada, porém, sobressaltada, ela percebe que o pai está no seu camarote, a acordá-la. Fixa-o sem perceber bem o que se está a passar. E ele diz-lhe : "Vem ver o sol que está a nascer. É enorme, enorme. Vem depressa. Vais gostar. Vem." Muitos anos depois, o pai já tinha morrido esta história tinha-se passado há décadas, a minha amiga confiava-me : 
" Se ele tivesse feito pelo menos mais uma coisa destas, pelo menos mais uma, eu ter-lhe -ia perdoado tudo "
A caixa dos brinquedos de cada um de nós deveria ser declarada património imaterial da humanidade"

Eternamente agradecida a Conceição Camelo por me suportar e apoiar em todos os meus momentos menos bons.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Ondulando entre mar e amor


Cheira a descontração, mesmo que haja contração económica, social e intelectual dos chamados governantes deste país.
Os turistas espantam-se com o potencial deste paraíso escondido no fim da Europa e insistem em que temos que soltar ao vento as boas coisas que não queremos vender...

Retenho o meu comentário e finalmente concordo que estas praias infinitamente onduladas de dunas e de escarpas cor de ferro são mais agradáveis como estão...quase abandonadas ás delícias da solidão de quem se queira entregar á beleza da briza salgada colada aos rostos de felicidade de gostar da simplicidade do sentir.

Sem toque ,não poderia sentir a amalgama do teu corpo
 á deriva
 entre a corrente marítima e os meus braços;
Oiço a tua respiração que se confunde com o ondular desenrolado nos nossos pés;
Sinto a tua boca salgada , mas não sei se bebo o mar 
ou se são ambos a minha sede de perdição;

Emaranhado nos meus cabelos sinto os teus dedos de odor a nós, após o amor.
E Vejo-te sempre que olho este mar
infinitamente com a cor dos teus olhos
espelhando o que de melhor trago para te oferecer.
Aqui na areia seca deambulo sobre tudo isto que te dou sem reservas:
o mundo pintado de azul do céu á terra 
passando pela ténue linha do horizonte
onde permanece a nossa linha por decifrar.


terça-feira, 16 de julho de 2013

Para o meu coração basta o teu peito,
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a tua alma.
És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas às corolas.
Minas o horizonte com a tua ausência.
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que no vento ias cantando

como os pinheiros e como os mastros.
Como eles tu és alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.

Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.


Pablo Neruda, in "Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada
  Esta deveria ser a canção saída da tua boca ... de manhã, de vez em quando, ao despertar ...quando me procuras instintivamente no teu corpo.

domingo, 14 de julho de 2013


Alguém parte uma laranja em silêncio, à entrada
de noites fabulosas.
Mergulha os polegares até onde a laranja
pensa velozmente, e se desenvolve, e aniquila, e depois
renasce. Alguém descasca uma pêra, come
um bago de uva, devota-se
aos frutos. E eu faço uma canção arguta
para entender.

Inclino-me para as mãos ocupadas, as bocas,

as línguas que devoram pela atenção dentro.
Eu queria saber como se acrescenta assim
a fábula das noites. Como o silêncio
se engrandece, ou se transforma com as coisas. Escrevo
uma canção para ser inteligente dos frutos
na língua, por canais subtis, até
uma emoção escura.

Porque o amor também recolhe as cascas

e o mover dos dedos
e a supensão da boca sobre o gosto
confuso. Também o amor se coloca às portas
das noites ferozes
e procura entender como elas imaginam seu
poder estrangeiro.
Aniquilar os frutos para saber, contra
a paixão do gosto, que a terra trabalha a sua
solidão - é devotar-se,
esgotar a amada, para ver como o amor
trabalha na sua loucura.
Uma canção de agora dirá que as noites
esmagam
o coração. Dirá que o amor aproxima
a eternidade, ou que o gosto
revela os ritmos diuturnos, os segredos
da escuridão.
Porque é com nomes que alguém sabe
onde estar um corpo
por uma ideia, onde um pensamento
faz a vez da língua.
- É com as vozes que o silêncio ganha.


Herberto Helder in Ou o poema contínuo

sexta-feira, 12 de julho de 2013


Vem viver comigo, sê o meu amor
E alguns novos prazeres provaremos
De areias douradas e regatos de cristal
Com linhas de seda e anzóis de prata.

Aí o rio correrá murmurando, aquecido

Mais por teus olhos do que pelo sol;
E aí os peixes enamorados ficarão
Suplicando a si próprios poder trair.

Quando tu nadares nesse banho de vida

Cada peixe, dos que todos os canais possuem,
Nadará amorosamente para ti,
Mais feliz por te apanhar, que tu a ele.

Deixa que outros gelem com canas de pesca

E cortem as suas pernas em conchas e algas;
Ou traiçoeiramente cerquem os pobres peixes
Com engodos sufocantes, ou redes de calado.

Deixa que rudes e ousadas mãos, do ninho limoso

Arranquem os cardumes acamados em baixios;
Ou que traidores curiosos, com moscas de seda
Enfeiticem os olhos perdidos dos pobres peixes,

Porque tu não precisas de tais enganos,

Pois que tu própria és a tua própria isca,
E o peixe que não seja por ti apanhado,
Ah!, é muito mais sensato do que eu.

John Donne, in "Poemas Eróticos"